Sonho de uma Noite de Verão

Textos

Que tolos que os mortais são!

Texto de Tónan Quito, e incluído na Folha de Sala

Uma declaração de amor.


Só. Estou tão só. Fica comigo. Toca-me. Preciso de ti.
São estas as palavras que parecem ecoar por toda a peça; na cidade e no bosque. A ordem e as leis escritas não interessam, apenas subvertem o desejo e deixam todos equivocados. É preciso ir para a zona do caos, o bosque, o sítio onde não há ordem, para nos encontrarmos com os impulsos, o desejo e amor… para continuarmos enganados. E enganos foi o que fomos encontrando neste texto: uma urgência de falar de amor, de precisarmos uns dos outros para sobreviver, para prolongarmos um pouco mais a vida. E fomo-nos dando uns aos outros um pouco mais dia-a-dia, até chegarmos a este Sonho: como se, para cada um, toda uma vida, todo um amor coubesse em duas horas. E esta é a realidade.
Queria voltar rapidamente a Shakespeare (também um amor), continuar esta relação; em Ricardo III, uma peça muito masculina, era o poder que estava em causa. Aqui o poder continua em causa, mas já não é o centro. Ao colocar a peça no bosque, Shakespeare cria uma nova ordem onde tudo pode acontecer, onde todos se podem amar e entregar-se ao desejo; e a peça torna-se feminina, sendo a personagem Titânia o grande poder da peça. Interessou-me montar esta peça depois de Ricardo III, na medida em que o mesmo autor que cria um cemitério cria também um bosque onde a vida rebenta por todo o lado; onde existem fadas, um rei e rainha de outro mundo, e onde os apaixonados vão correr atrás uns dos outros, loucos e livres para a sua paixão. E quem melhor para
fazer implodir este texto se não estes actores? A paixão e a generosidade deles são demolidoras: a vontade de criar novas ordens, de desarrumar…
Ao entrar neste bosque que é a Companhia Maior, também me perdi de amores e lá fui encontrando o caminho de saída, mas, felizmente: “there’s no cure for love”.
Assim que pensei neles pensei no Sonho de Uma Noite de Verão, pela sua pulsão, pela anarquia dos seus corpos, pela capacidade que eles têm de se inventarem e de nos fazerem seguir os seus impulsos; mas sobretudo por serem livres. Só gente assim se permite amar.
E foi também para responder à personagem Borbota que quis fazer este Sonho: “O amor e a razão não vão lá muito bem nos tempos que correm.” Ou Vão?


Precisamos de mais bosques.