Jorge Andrade
o melhor e o mais rápido, o pior e o mais triste, o mais longo, o mais complexo, o mais difícil e o mais divertido
2014
A Companhia Maior associou-se à bienal Artista na Cidade 2014 (Lisboa) e desafiou o artista Tim Etchells a escrever o texto original para a sua equipa de intérpretes. O resultado foi o melhor e o mais rápido, o pior e o mais triste, o mais longo, o mais complexo, o mais difícil e o mais divertido dirigido pelo encenador português Jorge Andrade.
No espetáculo, fala um de cada vez e todos se referem a uma coisa superlativa – o mais isto, o mais aquilo… Ou, como se lê no título, o melhor, o mais rápido, o pior, o mais triste, o mais difícil, o mais divertido. Mas não só. Fala-se também da coisa mais pequena do mundo, e da maior, da melhor maneira de morrer, da melhor cidade para se ficar apaixonado, da ideia mais perigosa do mundo, da coisa mais difícil de medir, da coisa mais difícil de fazer desaparecer de vez, da canção mais difícil de cantar num Karaoke, do momento mais solitário do dia, da posição mais difícil do ioga, da melhor maneira de cortar com o passado, dos melhores amantes, da pior maneira de ficar apaixonado, da melhor maneira de estragar uma história às pessoas, do melhor lugar para ter sexo, do superpoder mais útil que se pode ter, das piores piadas, da melhor maneira de sobreviver a um Apocalipse, ou a um divórcio, do objeto caseiro que mais facilmente se transforma em arma, da maneira mais agradável de acordar alguém, da pior maneira de dizer não, da maneira mais estúpida de dizer a uma pessoa que a amamos, da melhor maneira de dizer adeus e, enfim, da melhor maneira de acabar um acontecimento teatral.
De tudo isto se fala no espectáculo, como num despique de opiniões que poderia acontecer numa reunião de família, ou num encontro de amigos, à volta de uma mesa a beber copos, ou num serão afundado em sofás. Cada um diz uma coisa ainda mais impressionante do que o anterior, ou expressa apenas as suas idiossincrasias: aquilo que o faz rir, ou ter medo, ou sentir-se otimista. Aquilo que os atores dizem, apesar de ter sido escrito por Tim Etchells, parece ter sido dito por eles próprios. Coisas banais. As coisas em que os nossos sentimentos se projetam na sua incontornável banalidade. Que fazem de nós “humanos”. Mas, para dizer estas coisas ao público, a Companhia Maior faz alguma cerimónia. Uma noite de gala.
Ficha Técnica e Artística
Encenação
Jorge Andrade
Texto original
Tim Etchells
Intérpretes
António Pedrosa, Celeste Melo, Cristina Gonçalves, Diana Coelho, Helena Marchand, Isabel Millet, Jorge Falé, Jorge Leal Cardoso, Kimberley Ribeiro, Manuela de Sousa Rama, Paula Bárcia
Tradução
Fernando Villas-Boas
Assistência de encenação
David Cabecinha
Cenografia
José Capela,
com fotografia de
Bruno Simão
Figurinos
José Capela
Desenho de luz
Daniel Worm d’Assumpção
Banda sonora
Rui Lima e Sérgio Martins
Fotografia
Bruno Simão
Registo vídeo
Jorge Jácome
Produção executiva
Companhia Maior
Produtor da Companhia Maior
Luís Moreira
Produtores da mala voadora
Manuel Poças
Joana Costa Santos
Coprodução Centro Cultural de Belém, Companhia Maior, mala voadora
Agradecimentos
Comuna Teatro de Pesquisa
Palácio Foz
Teatro Camões
Teatro Politeama
Apoios
El Corte Inglês
Eficácia Livre
São Rocha Cabeleireiros
Apresentações
ESTREIA
24 a 27 de outubro 2014
Centro Cultural de Belém
Fotografias desta página: © Bruno Simão
Ao longo dos anos, fiz uma série de espetáculos a partir de listas, ou à volta delas.
Num dos primeiros – Speak Bitterness – o texto é uma pequena lista de crimes e malfeitorias. Em That Night Follows Day, trata-se de curtas observações sobre as muitas formas como os adultos criam, moldam e determinam o mundo das crianças e dos jovens.
Em Quizoola!, trata-se de um catálogo caótico de todas as perguntas, quaisquer perguntas, sobre todos os assuntos.
Em Sight is the Sense… trata-se de uma longa lista de afirmações que tentam descrever o que é o mundo e como tudo nele funciona, sendo que a informação é apresentada sem nenhuma ordem particular.
Muitas outras listas surgiram no meu trabalho, em alturas diferentes – listas ou catálogos de insultos, de estórias, de termos de calão com conotação sexual, de tarefas, de maneiras de morrer, de imagens dos sonhos e do seu significado, de frases com previsões do futuro, de coisas em que não se pode pensar, de nomes e alcunhas, de títulos de canções e de histórias ligadas a essas canções.
Cada um destes catálogos mais ou menos desarrumados partilha um desejo de pôr à vista, de algum modo, a forma de um aspeto particular da experiência humana, buscando articular, definir ou explicar a razão de ser de alguma coisa.
Em cada catálogo, as afirmações, perguntas ou objetos recolhidos acrescentam, peça a peça, à definição ou ao entendimento do assunto em questão – fazem um mapa dos seus contornos, uma caminhada pelo seu território. Todavia, apesar dos elementos formais que os ligam, cada um dos trabalhos a que me refiro é bastante diferente, abrindo uma janela sobre um aspeto ou uma área da experiência muito peculiar.
Ao escrever este The Best Fastest Worst Saddest Longest Most Complex Hardest Funniest (TBFWSLMCHF)* para a Companhia Maior, pensava na experiência ela mesma, especialmente no tipo de escolhas, juízos e preferências que vamos acumulando ao longo de anos. Pensava sobre os modos como tantas vezes categorizamos as coisas que vimos ou fizemos em hierarquias, vulgares ou importantes – o melhor filme, a viagem mais longa, os tempos mais infelizes ou mais alegres partilhamos estas classificações com outros – a maneira mais rápida de fazer isto ou aquilo, a praia mais bonita de Espanha, o melhor poema de amor, o caminho mais curto de A para B.
Quando comecei a explorar a forma do espetáculo e a escrever este tipo de afirmações – juízos, conselhos, críticas e factos ocasionais – surpreendeu-me a forma como parecem estar ligadas à própria experiência, sintetizando lições da vida em saber que possa ser partilhado, numa espécie de pequenos formulários de distribuição de conhecimento.
Claro que estas observações também implicam ou fazem referência à narrativa, uma vez que seja quem for que nos conte qual é o melhor banco para dormir em Central Park, ou a maneira mais segura de roubar um banco, reclama para si um saber especial, conquistado, podemos imaginar, na feitura da coisa em questão.
Cada afirmação, neste sentido, é uma micro-história, uma tentativa de biografia.
Para além do meu amor pelas listas, tenho uma obsessão já antiga pelas possibilidades do convívio entre ficção e realidade – especialmente na zona cinzenta entre o intérprete e o seu papel que se gera nos espetáculos muito despojados que fiz com os Forced Entertainment e outros parceiros. Percorrida com firmeza, esta fronteira porosa é fascinante, e acrescenta camadas de complexidade à representação – permitindo ao texto que se torne uma escrita nos intérpretes e uma fala através deles; a vocalização do texto torna-se um ato que eles ao mesmo tempo materializam e transformam; pessoas
reais, tantas vezes transfiguradas por possibilidades ficcionais contraditórias.
Neste sentido, a possibilidade de trabalhar com a Companhia Maior foi bastante valiosa para mim – não só pelo prazer de escrever algo para um grupo tão talentoso e dedicado – mas também porque trouxe a oportunidade de trabalhar com os atores e intérpretes mais velhos que compõem a companhia num tema que os poderia levar mais além do que o terreno da autobiografia e a da memória. É que, enquanto a peça assenta na ideia de uma experiência de vida acumulada que é a deles, também serve para reinventar e ficcionalizar as pessoas em palco. É um trabalho que não só mostra a realidade e a transforma teatralmente, abrindo a porta às estórias que são apresentadas, mas que também cria uma janela para as pessoas verdadeiras, diante de nós, na sua riqueza e complexidade.
Tim Etchells