Nas nossas vidas

Luísa Taveira, 2010

Nas nossas vidas, há um tempo para tudo, e quando nos é dada a possibilidade de envelhecer, isso só pode ser um benefício acrescido.

Mas não é este o sentimento generalizado das nossas sociedades desenvolvidas, onde o envelhecimento das populações é já uma realidade irreversível, mas uma realidade que ainda aceitamos mal.

A apreensão é aquilo que sentimos quando olhamos para os números da previsão demográfica:

Só em Portugal, estima-se que nas próximas duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos aumente cerca de 85%.

Hoje, já contamos com 108 pessoas de idade maior para cada 100 jovens, mas em 2050 a proporção será de 243 para cada 100.

O impacto destas alterações irá, seguramente, colocar desafios ao desenvolvimento económico, ao equilíbrio demográfico e à sustentabilidade do nosso actual modelo de segurança social.

Culturalmente, penso que ninguém faz ainda ideia do que isto poderá vir a significar.

A sociedade ainda não sabe, e diria até que ainda não quer ou não lhe apetece, olhar para esta fase da vida como um manancial de oportunidades, e isso é um verdadeiro paradoxo, uma vez que é, provavelmente, um daqueles grandes temas da humanidade que nos toca a todos.

De facto, os atributos que hoje mais privilegiamos como a rapidez, a mobilidade, a agilidade, a beleza das formas e a imagem, a agressividade e a competição da vida profissional, o culto do imediato e do instantâneo, uma certa indiferença pela história e pela memória, são por vezes pouco compatíveis com a idade maior.

Diria mesmo que a nossa sociedade ocidental nos ensina a ter medo de envelhecer. Como diz Woody Allen viver muitos anos é maravilhoso, mas envelhecer é de evitar.

É precisamente aqui que a arte pode dar um valioso contributo, posicionando-se (como quase sempre o faz) na fila da frente da tomada de consciência e na chamada de atenção, para as potencialidades da idade maior.

Só quando esta fase da vida for olhada, não como um problema, mas como parte da solução poderemos dizer que vivemos numa sociedade com maturidade e que respeita todas as dimensões da pessoa humana.

É à criatividade e à expressão artística dessa fase da vida, que o projecto da Companhia Maior se quer dedicar.

Os exemplos de intensa criatividade na idade maior não nos faltam: e desde Sófocles a Manoel de Oliveira, eles são inumeráveis.

De facto, essa idade pode dar azo a uma criatividade particular que, com grande simplicidade, pode ser definida pelas seguintes características:

– uma apetência especial pelo uso da intuição;
– a redução à essência das formas;
– a libertação das convenções e dos constrangimentos das normas artísticas;
– o desejo da expressão mais profunda dos sentimentos.

Como diz o autor e crítico alemão Hajo Düchting,: “Em arte não existe substituto para a longevidade”, querendo com isto dizer que só na experiência da idade avançada é que esse tipo de criatividade se manifesta. 

Quando em 2007 fiz a proposta do projeto da Cª Maior ao Dr. Mega Ferreira a sua reação foi imediata e de grande entusiasmo, mas o tema exigia reflexão, quanto mais não fosse pela falta de exemplos no nosso país, e de alguma forma também no estrangeiro.

Foi com essa consciência que levou dois anos a construir e a solidificar o projeto, para o qual muito contribuiu a ajuda e a cumplicidade do ator e encenador Tiago Rodrigues.

Na prática, e muito sucintamente, diria que este é um projeto artístico/criativo e de formação de uma companhia de artistas com mais de 60 anos, provenientes de todas as áreas das artes performativas.

A nossa intenção é a de produzir, todos os anos, um espetáculo, dirigido por um encenador ou por um coreógrafo, sempre diferente.

Uma das facetas que mais valorizamos neste projeto é o contacto entre os artistas maiores e gerações mais novas da criação contemporânea. 

Acreditamos que o interesse artístico reside, efetivamente, neste contacto e colaboração entre gerações.

No princípio deste ano, começámos por lançar um desafio: pedimos aos artistas maiores que se candidatassem a um workshop de improvisação teatral, dirigido pelo Tiago.

Recebemos cerca de 30 candidaturas que foram selecionadas através das biografias e de cartas de motivação.

Essas cartas são, hoje, para nós, documentos valiosíssimos, que também nos ajudam a validar e a acreditar no projeto.

As 16 pessoas selecionadas estão hoje aqui presentes e se me permitem gostava de as nomear.  São elas:

António Pedrosa de Oliveira
Carlos Nery
Cristina Gonçalves
Diana Coelho
Eduardo Sérgio
Gabriela Cerqueira
Helena Marchand
Isabel Millet
Isabel Simões
Iva Delgado
Kimberley Ribeiro
Manuela Sousa Rama
Maria Celeste de Melo Ribeiro
Maria Júlia Guerra
Michel
Vítor Lopes

Logo nas primeiras sessões do workshop foi claro para nós que esta experiência devia ser repetida com regularidade e de imediato foram delineados e agendados outros workshops, para acontecer ainda este ano.

Assim, no passado mês de Abril foi a vez de o Jacinto Lucas Pires dirigir um workshop de dramaturgia. Neste momento, e até ao final da semana, está a acontecer um workshop de música com o João Lucas e a Clara Andermatt dirigirá, em Junho, um workshop de dança.

Também já teve início a fase de pré-produção do primeiro espetáculo da Companhia, com estreia marcada para o dia 28 de Outubro, deste ano, aqui no Centro Cultural de Belém. A direção e encenação do espetáculo estão, naturalmente, a cargo do Tiago Rodrigues e da sua assistente Cláudia Gaiolas.

A digressão nacional e internacional faz parte dos objetivos da atividade da Companhia e, nos contactos que temos estabelecido com os vários agentes culturais, as reações positivas ao projeto têm sido, de facto, surpreendentes. Esta digressão está prevista acontecer entre Novembro de 2010 e Fevereiro de 2011.

Logo desde o início da ideia da Companhia, que sentimos a necessidade de nos rodear de pessoas que, efetivamente, nos ajudassem a refletir sobre esta temática, que nos ajudassem a comunicá-la e pudessem ter um papel ativo na direção e no futuro do projeto.

Fomos buscar o exemplo dos boards das companhias artísticas inglesas e norte-americanas, que tradicionalmente contam com a participação da sociedade civil na vida das instituições.

Constitui-se, assim, um Conselho Consultivo que é presidido pelo Professor Daniel Sampaio e conta ainda com as presenças do Dr. Mega Ferreira (em representação da Fundação Centro Cultural de Belém), do Professor Eduardo Marçal Grilo, pela Maria José Fazenda e pelo Jacinto Lucas Pires.

As imagens apresentadas no início da conferência, são uma seleção de momentos do primeiro workshop, da realizadora Cláudia Varejão.

Essa é ainda outra faceta da Companhia, que prevê que se constitua um projeto-satélite à volta de cada espetáculo anual. Será um projeto independente mas que queremos que olhe para a Companhia Maior com uma posição distanciada. Este ano, esse projeto foi confiado à Cláudia Varejão mas, no futuro, este objeto/satélite poderá também ser de natureza científica.

A Companhia Maior vai estar em residência no Centro Cultural de Belém durante este ano e durante o ano de 2011, mas isso não quer dizer que ela não possa, ou que não seja até desejável, que ela seja adotada por outras instituições, tanto no plano da residência, como no da coprodução ou até, eventualmente, no da sua produção total.

Se pensarmos nas experiências e nas competências acumuladas por um cidadão ao longo da sua vida, podemos facilmente perceber o que estamos a desperdiçar quando as excluímos da produção de riqueza e de bem-estar do nosso dia a dia. E de facto, para mim, é incompreensível que seja necessário parar de ser criativo e produtivo antes da idade, de facto, nos obrigar a fazê-lo.

O século XX preocupou-se, quase exclusivamente, em dar mais anos à vida e penso que chegou a hora de todos, coletivamente, e cada um à sua maneira, tentar dar também mais vida a esses anos.

(Título de Cristina Gonçalves)

© Companhia Maior