Mónica Calle

Iluminações

2012

Pequena, pobre, indefesa, mas extraordinária história de uma vida humana individual.
Nesta vida humana individual estão: a verdade, a santidade e a grandiosidade. É preciso salvá-la do esquecimento e da destruição, mesmo com a consciência do fracasso.
Há qualquer coisa de definitivo, qualquer coisa que aparece diante DO FIM. Suspeita de narcisismo último e pueril? O jogo que se trava é muito mais sério, grave e perigoso. 
Fazemos no palco a manobra mais arriscada e mais desesperada das nossas vidas. Acreditamos nisso. É preciso ir até ao fim do caminho. É preciso tocar no fundo porque só o grito lá do fundo pode ser ouvido. Lá no fundo, talvez nos compreendamos uns aos outros.
Em Iluminações põe-se a nu o que há de mais secreto na vida de um indivíduo, o que contém o valor supremo, o que aos olhos do mundo pode parecer irrisório, mesquinho, pobre. Trazer essa pobreza para a luz do dia, para que ela floresça. E que impere.
Morrerei e não confessarei que sou velho.

Ficha Técnica e Artística

Adaptação, encenação, espaço cénico, figurinos Mónica Calle 

Intérpretes
Ana Díaz, António Pedrosa, Carlos Nery, Celeste Melo,Cristina Gonçalves, Diana Coelho, Elisa Worm, Helena Marchand, Isabel Millet, Isabel Simões, Iva Delgado ,Jorge Falé, Júlia Guerra, Kimberley Ribeiro, Luna Andermatt, Manuela de Sousa Rama, Michel, Paula Bárcia, Vítor Lopes, Mónica Calle

Desenho de luz
José Álvaro Correia
Assistência de encenação
Alexandra Gaspar 
Assistência de direção de atores
Rute Cardoso e Mónica Garnel 
Assistente figurinista
Isabel Boavida
Fotografia
Bruno Simão
Registo vídeo
Patrícia Saramago 

Coprodução
Centro Cultural de Belém
Companhia Maior

Produção executiva Companhia Maior
Produtor Luís Moreira

A partir de vários autores, e de “Não esquecerás” e “Retrato de um jovem poeta” e outras palavras de Dulce Maria Cardoso 

Apresentações

ESTREIA
3 a 6 de novembro 2012
Centro Cultural de Belém

Fotografias desta página: © Bruno Simão

Surpreendente pela franqueza, pelo esforço iniciático, pelo conluio com o destino, repete a operação da verdade como método e objetivo o número de vezes que achar necessário: de seguida com um rápido, sonoro, viril, clássico grito de guerra – Bora lá – coloca as peças no quadro básico da incerteza, da dúvida, do medo paliativo, da impreparação para a dádiva total, da  perplexidade perante o ato puro que faz nascer o enigma. Os minutos de silêncio transformam-se em milénios de servidão, em apocalipses de rebelião, em invisíveis renúncias, em temerosas audácias. Tudo é possível quando se busca o insondável do abismo individual, no olhar, na interioridade, no antigesto, no espaço entre corpos, na ausência ou excesso de regras, na denúncia de receios, na inibição de hábitos, na quase impossível fisicalidade do pensamento.

Encontrar o patamar da nudez do óbvio é tão fácil que chega a ser cruel. Não que a sua sensibilidade seja implacável, mas é pela vitória do momento em que deslinda o código do ator, a sua carapaça defensiva, a sua fraqueza contextual. Colaboradores na esfera de raridade, no limite da sua própria evidência, a existência em palco torna-se uma prisão sem grades, um oásis impenetrável à mentira.

Os momentos vividos nessa recriação penosa, inconstante, brutal, são pedaços de existência irrepetíveis, colocando o ator na fronteira entre o incógnito momento em que se supera e o vórtice da dádiva. O papel da parteira cessa. A criadora retoma o tempo que fez catapultar o impossível para o palco. Os dois mundos fundem-se na beleza que se apodera de pormenores, de silêncios, de olhares, de refúgios. O ciclo recomeça inabalável aos percalços, às intempéries, aos desânimos, às parcelas de incompreensão, à matéria das horas. Ei-la que regressa, disponível como se nada se tivesse passado.

Retoma-se o ensaio no ponto exato em que ficou, ou talvez noutro ponto, onde tudo se reinicia, desde o abjeto ao sublime passando pelo obnóxio, pelo grotesco, pelo inclassificável, atingindo planetas de nada, ou universos de grandeza tão simples que lembram um sorriso captado por acaso.

Os atores colocam-se em espaço de palco, cansados, exatos, alerta, preparados, ansiosos, ainda na vertigem da perplexidade. Como aprendizes do eterno retorno aguardam. Não é fácil a imobilidade atenta, a disciplina ideal, a repetição. Quando menos se espera, como rabanada de vento surgida do silêncio ouve-se a voz de comando – Bora lá! – e o trabalho recomeça.

Iva Delgado

A Companhia Maior entra agora na sua fase adolescente. Depois de A Bela Adormecida, um espetáculo de teatro encenado por Tiago Rodrigues, e de Maior, uma peça de dança com coreografia de Clara Andermatt, e no seguimento de várias oficinas com diferentes criadores e apresentações em diversos teatros do país, o grupo começa a olhar para o seu próprio corpo com novas perguntas e outros quereres.
Quanto a Iluminações, o projeto com direção de Mónica Calle, confesso que estou às escuras. Mas, pelo que conheço dos “adolescentes maiores” desta Companhia, será mais um salto em direção ao espanto. Cada vez mais seguros das suas capacidades enquanto intérpretes e criadores, e juntando naturalmente à sua arte a força e o desassombro da sua maioridade, estes atores provocam-nos um olhar sobre a nossa Cidade muito diferente daquele que nos querem impingir os anúncios de sabonetes ou de primeiro-ministros.
O espelho que criámos para nós próprios é um espelho de feira, distorcido, grotesco, plástico, falso, onde não há velhos ou só velhos-que-até-parecem-novos. Uma sociedade que, com a desculpa do défice ou com outra qualquer, passa a olhar para as artes e para o pensamento como um luxo dispensável ou um lixo dispendioso é uma sociedade cega em relação a si própria. Sem cultura, deixamos de nos confrontar com o nosso corpo coletivo, no que este tem de antiguidade e possibilidade, de sonhos e medos, de amor e fantasma.
A Companhia Maior, com todo o seu despojamento, em toda a sua “pobreza”, ajuda-nos a atravessar esse espelho mediático no sentido de um retrato mais próximo de nós. Não, um velho país não está condenado a ser um país velho. Sejamos mais futuros, mais audazes, mais verdadeiros, mais vivos, Maiores.

Jacinto Lucas Pires

© Companhia Maior